COVID-19: atualizações e avanços científicos recentes
Passados mais de dois anos do início da pandemia de COVID-19, já é possível mensurar seu impacto em diversos setores da sociedade, seja no Brasil ou no mundo. Na esfera da saúde pública ainda há muitas preocupações decorrentes da limitação das instituições públicas de saúde em formular ações ou políticas públicas que estejam um passo à frente ou, ao menos, acompanhem a velocidade de mutação do vírus.
Tanto fatores internos — limitações da infraestrutura e desinformação sobre doença e as vacinas — como fatores externos ao país e à doença — entre os quais estão a crise entre Rússia e Ucrânia, a alta do dólar e a preocupação com a nascente varíola dos macacos — causam impactos na cadeia de suprimentos para vacinas e demais tratamentos, bem como no respectivo desenvolvimento e produção, levando a uma queda na imunização contra as novas variantes.
Para se ter uma ideia, o baixo estoque de vacinas como a da CoronaVac têm atrasado a imunização de crianças na faixa dos 3 a 4 anos no Brasil — que começou pelas imunocomprometidas, conforme orientação recente do Ministério da Saúde. O cenário se torna ainda mais preocupante ao considerar que a COVID-19 está levando a óbito duas crianças menores de 5 anos por dia no país; o número equivale a cerca de uma em cada cinco mortes entre menores de 5 anos em todo o mundo, como relatado no British Medical Journal (BMJ).
Até o fechamento deste artigo, o Brasil já aplicou 462 milhões de doses em 170 milhões de pessoas, sendo que 79% da população está totalmente vacinada; no mundo, já foram aplicadas 12,3 bilhões de doses em 4,85 bilhões de pessoas, resultando em 62,2% da população totalmente vacinada; os dados são da Our World in Data.
Para além do cenário pandêmico apresentado brevemente, confira as últimas informações sobre a COVID-19, como nova variante, tratamentos promissores e fique por dentro das últimas descobertas científicas sobre a doença e formas de combatê-la.
Variante centaurus
Imagem: iStock.
O primeiro registro de infecção pela variante centaurus — tecnicamente denominada BA.2.75 — ocorreu na Índia no início de maio deste ano e, até o momento, já foi identificada e geneticamente sequenciada em outros 10 países: Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Israel, Japão, Nova Zelândia, Reino Unido e Rússia. O nome não é oficial e surgiu organicamente nas redes sociais quando um usuário no Twitter decidiu se referir assim à essa subvariante.
A BA.2.75 é uma subvariante da Ômicron o que, de acordo com especialistas, pode ser um problema: isso porque, assim como a mutação que a originou, tende a ser mais resistente à imunização acumulada de infecções anteriores e vacinas. De acordo com a cientista-chefe da Organização Mundial de Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, “ainda é muito cedo para saber se essa subvariante tem propriedades adicionais de invasão imune ou de ser mais grave clinicamente”.
De acordo com uma análise feita pelo Instituto de Saúde Pública da Holanda, o que se sabe até o momento é que a nova mutação possivelmente se originou de pacientes imunossuprimidos e cuja infecção por COVID durou duas semanas ou mais. Isso sugere que o vírus tem uma capacidade ainda maior de escape dos anticorpos e de aderência às células humanas, comparado às outras subvariantes. Há relatos ainda não confirmados de suores noturnos, um sintoma não identificado em outras mutações.
Tratamentos promissores
Exemplar de cápsula do molnupiravir, uma das promessas no tratamento da COVID-19 (imagem: iStock).
A partir das informações acumuladas durante mais de dois anos de pandemia, a indústria farmacêutica tem desenvolvido terapias medicamentosas para os mais diversos quadros clínicos decorrentes da COVID. Confira, a seguir, alguns dos fármacos que se mostraram promissores em testes clínicos nos últimos meses.
Molnupiravir
Produzido pela farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD), o antiviral oral teve eficácia de 30% na redução de hospitalização e morte pela infecção, como mostrou um estudo feito com 1.433 pessoas publicado no New England Journal of Medicine (NEJM). Para chegar a essa conclusão, os cientistas administraram 800 mg do molnupiravir duas vezes ao dia durante cinco dias a partir da data de início dos sintomas em pacientes não vacinados e com sinais leves a moderados de infecção.
Basicamente, o fármaco age inserindo erros no código genético das enzimas que permitem ao SARS-CoV-2 replicar seu RNA viral, impedindo o aumento da carga viral e, consequentemente, que o quadro infeccioso se agrave. Em maio deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial do molnupiravir em pacientes adultos que não necessitam do uso complementar de oxigênio, mas apresentam risco de evolução para a forma grave da doença. Anteriormente, a droga sintética foi aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e já estava em uso em outros 17 países.
Paxlovid
No dia 14 de julho deste ano, a OMS atualizou suas diretrizes para o tratamento da COVID-19, na qual “recomenda fortemente” o uso do paxlovid em quadros leves da doença, conforme publicação no British Medical Journal (BMJ). Produzido pela Pfizer, o medicamento é uma combinação de dois antivirais, nirmatrelvir e ritonavir, que atuam como inibidores da protease 3CL, enzima fundamental para o desenvolvimento e replicação virais. Enquanto o nirmatrelvir age especificamente contra a protease, o ritonavir reforça sua ação ao impedir que outra enzima degrade a ação da primeira substância — sendo esta segunda uma droga amplamente usada no tratamento contra o vírus HIV.
Nos testes de fases 2 e 3 realizados pela farmacêutica, o paxlovid impediu a evolução da infecção para quadros graves, mostrando eficácia de 89% na redução do risco de hospitalização ou morte. Em 30 de março deste ano, a Anvisa aprovou o uso emergencial do paxlovid e, em maio, o medicamento passou a fazer parte dos tratamentos contra a COVID-19 incorporados no Sistema Único de Saúde (SUS).
Tocilizumabe
Assim como o paxlovid, o tocilizumabe também recebeu o aval da OMS, que passou a recomendar o anti-inflamatório para os casos graves de COVID após verificar os resultados de um estudo de meta-análise divulgado pelo Journal of American Medical Association (JAMA). Quando associado ao uso de corticoides, o fármaco demonstrou redução de 22% no risco de óbito. Apesar de ser amplamente utilizado em hospitais na Austrália, China e Índia, o alto custo e a baixa nos estoques pelo mundo têm dificultado o acesso ao medicamento, produzido pela farmacêutica Roche.
A substância, que é um anticorpo monoclonal de infusão intravenosa, atua como bloqueador da interleucina 6 (ou IL-6), responsável por ativar uma resposta imune exacerbada do corpo em relação ao vírus. Em uma nota técnica emitida em abril de 2021, o Ministério da Saúde brasileiro afirmou que algumas pesquisas sugerem “benefício do uso de tocilizumabe no tempo de uso de suporte respiratório em UTI e sobrevida, num contexto de intervenção rápida para pacientes graves”; no Brasil, o remédio foi aprovado para o tratamento da artrite reumatoide.
Estudos mais recentes sobre a doença
A seguir, confira alguns dos estudos mais recentes sobre a COVID-19, que incluem novos modelos de prognóstico da doença, efeitos de uma possível interação entre as doses de reforço com a vacina contra a Influenza e a eficácia da imunização de crianças de 5 a 11 anos.
Modelos de predição clínica para mortalidade
Imagem: Dot.Lib/BMJ
Este estudo realizado com mais de 40 mil pacientes em 18 países (incluindo o Brasil) e publicado no British Medical Journal (BMJ) teve como objetivo avaliar externamente vários modelos prognósticos e regras de pontuação para predição de mortalidade a curto prazo em pacientes internados por COVID-19. Os resultados mostraram heterogeneidade considerável no desempenho desses modelos em pacientes internados pela doença. Os pesquisadores afirmam que é necessária cautela na aplicação dessas ferramentas para a tomada de decisões clínicas nos países avaliados.
As conclusões mostraram que, em média, o número de óbitos observado foi o mais próximo do número previsto pelo modelo Xie. Já o 4C Mortality Score e o modelo clínico de Wang apresentaram maior capacidade discriminativa em comparação com os demais modelos validados. Embora pareçam mais promissores, os autores do estudo consideram necessários ajustes locais e dinâmicos (atualizações de interceptação e inclinação) antes da implementação nos cuidados de rotina.
Link para o estudo completo, clique aqui.
Reatogenicidade dos reforços vacinais da COVID-19 e da vacinação contra a Influenza
Imagem: Dot.Lib/AMA
Nesta análise de coorte publicada no JAMA, os resultados iniciais de segurança para dose de reforço contra a COVID baseada em mRNA administradas simultaneamente com vacinas contra Influenza sazonal indicam que os entrevistados que receberam administração simultânea foram ligeiramente mais propensos a relatar reações sistêmicas na semana após a vacinação do que os entrevistados que receberam apenas o reforço mRNA da vacina de COVID. Em ambos os grupos, a maioria das reações relatadas na semana após a vacinação foram geralmente leves.
Os impactos na saúde após a vacinação foram relatados por 19% dos entrevistados que receberam simultaneamente vacinas de reforço contra a COVID-19 e contra a Influenza da Pfizer-BioNTech. Entre os que receberam simultaneamente as vacinas contra Influenza e a de reforço contra a COVID da Moderna, 26,8% relataram algum problema. A incapacidade de realizar atividades diárias normais na semana seguinte à vacinação foi uma das complicações mais relatadas, chegando a 15,5% no primeiro grupo e 22,2% no segundo. Menos de 1% dos entrevistados que receberam as vacinas simultaneamente precisaram de cuidados médicos.
Link para o estudo completo, clique aqui.
Eficácia da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos
Imagem: Dot.Lib/NEJM Group
Realizada com mais de 136 mil crianças de 5 a 11 anos em Israel, a pesquisa publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) mostrou que duas doses da vacina BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) forneceram proteção moderada a curto prazo contra a COVID sintomática nesta faixa etária. O ensaio clínico foi realizado durante o período em que a variante ômicron se tornava a predominante no mundo.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores parearam as crianças elegíveis que foram vacinadas durante o período do estudo com o grupo de controle de não vacinados. A estimativa de eficácia vacinal contra infecção documentada foi de 17% em 14 a 27 dias após a primeira dose e de 51% em 7 a 21 dias após a segunda dose. A diferença de risco absoluto entre os grupos de estudo nos dias 7 a 21 após a segunda dose foi de 1.905 eventos por 100.000 pessoas para infecção documentada e 599 eventos por 100.000 pessoas para Covid-19 sintomático. A eficácia estimada da vacina contra a Covid-19 sintomática foi de 18% em 14 a 27 dias após a primeira dose e 48% em 7 a 21 dias após a segunda dose.
Link para o estudo completo, clique aqui.
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