Varíola dos macacos: entenda o novo surto
Desde 2020, a COVID-19 mobilizou toda a atenção médica, científica, midiática e outros setores, uma vez que ainda não havia vacinas e a doença causada pelo SARS-CoV-2 pode evoluir para casos mais graves e levar à óbito. No entanto, a preocupação justificada com a atual pandemia fez com que os cuidados com outras doenças já controladas ou erradicadas fossem colocados de lado, levando ao ressurgimento delas.
A varíola dos macacos é uma dessas doenças. Porém, por informações equivocadas e notícias falsas, a versão atual da enfermidade tem sido confundida com a varíola que, segundo estimativas, vitimou mais de 300 milhões de pessoas durante o século XX. Felizmente, a ciência avançou no desenvolvimento das vacinas à época e há mais de 40 anos a doença foi erradicada.
Dessa forma, é normal que algumas perguntas e comparações acerca das duas doenças sejam feitas. Portanto, continue a leitura e fique por dentro das principais informações sobre a varíola dos macacos, como origem, transmissão, sintomas e possíveis tratamentos e quais estudos já saíram sobre a doença.
Origem
(Imagem: Getty Images)
O causador da varíola dos macacos foi descoberto em macacos de laboratório importados da África para a Dinamarca em 1958 e identificado em humanos pela primeira vez em 1970 na República Democrática do Congo. Sua origem remonta às regiões com florestas tropicais na África Central e Ocidental. O patógeno pertence ao gênero ortopoxvirus, que inclui muitas outras espécies virais com uma ampla gama de hospedeiros mamíferos, como a vaccinia, a varíola bovina (cowpox), doença dos camelos (camelpox), taterapox e ectromelia.
Ainda que associado aos macacos, geralmente o vírus transmissor está presente em animais nativos do bioma africano, como grandes roedores, porcos-espinhos e esquilos de corda. Nos Estados Unidos, cães da pradaria infectados por animais de estimação africanos importados foram os responsáveis pela transmissão da varíola dos macacos aos humanos.
De acordo com cientistas, os casos de 2022 são os primeiros cujas cadeias de transmissão do vírus relatadas na Europa e América do Norte não têm ligações epidemiológicas conhecidas com a região de origem, fato que preocupa os epidemiologistas.
Histórico durante a pandemia
(Imagem: iStock)
Esta não é a primeira vez que a varíola dos macacos roubou a cena durante a pandemia de COVID: em 2021, os Estados Unidos registraram a infecção em um viajante que regressava da Nigéria ao país. O caso colocou em risco mais de 200 pessoas, de 27 estados americanos, que entraram em contato com o paciente durante a viagem.
Apesar disso, o uso extensivo de máscaras como medida preventiva contra a COVID pode ter evitado a transmissão da varíola do macaco por gotículas respiratórias, de acordo com o Centro de Controle de Doenças (CDC). Nesse mesmo ano, o País de Gales registrou mais três casos da doença.
A doença voltou a preocupar em 2022, quando o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) divulgou uma nota epidemiológica em maio confirmando o primeiro caso do ano no Reino Unido. Suspeita-se que a transmissão tenha ocorrido em um grande festival de música no país e, de acordo com a agência, a maioria dos casos são de homens jovens que tiveram mais de uma relação sexual com outros homens.
A Argentina é o primeiro país da América do Sul a confirmar um caso da varíola dos macacos e, até o fechamento deste artigo, a Bolívia notificou um caso suspeito em Santa Cruz de la Sierra, cidade fronteiriça ao Mato Grosso do Sul. De acordo com especialistas, é uma questão de tempo até que surjam infecções no Brasil e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou a volta do uso de máscaras para prevenção não só contra a COVID, mas também contra o novo surto.
A doença
(Imagem: iStock)
Chamada de varíola dos macacos (monkeypox, em inglês) — também conhecida por vírus Herpes B — é uma zoonose rara e contagiosa, causada pelo vírus da mesma família do vírus da varíola, porém parece ser mais leve do que a observada em casos comuns da doença.
Até então, havia poucos registros de transmissão do vírus de humano para humano, sendo a forma mais comum de contágio era de animal para humano. No entanto, os casos mais recentes têm preocupado os cientistas, uma vez que o atual patógeno passou por mutações que o tornaram capaz de ser transmitido entre pessoas. Assim, o risco de um surto entre humanos seria maior.
Transmissão
Pode ocorrer em contato com grandes gotículas respiratórias ou em contato com as pústulas que surgem no ápice da infecção.
Sintomas
Geralmente, a infecção se manifesta após duas semanas do contágio, sendo o principal e mais óbvio sinal as erupções cutâneas, que podem se espalhar pelo corpo e se tornarem bolhas dolorosas. O normal é que, após alguns dias, essas bolhas se transformem em crostas e caiam. Febre, dor de cabeça, inflamação dos linfonodos, mal-estar geral e fadiga também são alguns dos sintomas comuns.
Tratamento
Até o momento não existe um tratamento específico para a varíola dos macacos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a vacina para varíola comum possui eficácia de 85% contra a versão atual, ainda que não seja distribuída amplamente desde sua erradicação. Atualmente, os antivirais cidofovir e tecovirimat possuem aprovação para uso nesta versão da varíola, mas o acesso e disponibilidade desses medicamentos são limitados.
Versão símia vs. humana
(Imagem: Canva)
Mortalidade: a versão símia da doença é menos letal que a varíola humana, mas a taxa de letalidade depende da região de origem do vírus — o da África Ocidental está entre 1% e 10%, enquanto o da África Central pode matar 20% dos infectados;
Transmissão: a varíola dos macacos é menos contagiosa que a varíola comum e, para ser eficaz, é necessária intensa troca de fluídos corporais entre uma pessoa saudável e uma infectada, como pode ocorrer nas relações sexuais;
Sintomas: ambas as versões começam com os sinais clássicos de uma infecção, como febre e dor de cabeça, mas apenas a símia manifesta inchaço dos gânglios linfáticos; o período médio de incubação da varíola dos macacos é de 7 a 19 dias enquanto a versão comum é de 7 a 14 dias;
O que diz a ciência
(Imagem: Getty Images)
A seguir, confira alguns estudos, publicados nos principais periódicos científicos do mundo, sobre a varíola do macaco:
British Medical Journal (BMJ)
O artigo “Investigating the monkeypox outbreak”, publicado em um dos mais renomados journals de Medicina do mundo, expõe um panorama sobre os atuais surtos na Europa e América do Norte.
New England Journal of Medicine (NEJM)
O estudo — publicado no periódico de Medicina com maior fator de impacto entre os de sua especialidade — descreve as particularidades de um caso de varíola dos macacos que surgiu na área rural da Geórgia em 2013 e acometeu fazendeiros que cuidavam de um mesmo rebanho, assim como os animais. Os autores descrevem os procedimentos para o diagnóstico, bem como os resultados dos testes feitos com amostras de humanos e bovinos infectados.
Wiley
Uma publicação do Journal of Medical Virology feita em 2018 traça a história evolutiva e a transição entre espécies do vírus da varíola pertencentes ao gênero ortopoxvírus por meio da filogeografia bayesiana. A técnica permite estimar seus supostos hospedeiros ancestrais, taxa de substituição, entre outras informações importantes para o entendimento estrutural do patógeno, conforme descrito no estudo.
Leia também: "A história por trás da vacina: varíola"
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