Ética: definições e sua importância na Ciência
Nas últimas décadas, a humanidade tem vivenciado avanços científicos em escala geométrica, que proporcionam uma qualidade de vida sem precedentes na História e abrem novas perspectivas econômicas e sociais nas mais diversas áreas da sociedade. Prova disso são as técnicas multidisciplinares que envolvem a edição genética e permitem, ainda que de forma limitada, a manipulação da vida em suas diferentes formas — da microscópica à humana — para as mais diversas finalidades.
No entanto, a cada vez que técnicas e outras descobertas científicas como essas são divulgadas, os debates sobre os limites para a aplicação de tais procedimentos se inflamam. Afinal de contas, vale tudo pelo progresso científico? Quais são os limites éticos e quem os define? Essas perguntas passam a pautar a opinião pública e a balizar os próximos passos da Ciência.
Neste artigo, vamos entender o que é a ética, os principais pensadores por trás deste conceito e qual o seu papel na produção científica.
Moral x ética
Imagem: iStock.
Atualmente, os termos são usados quase que como sinônimos; entretanto é importante lembrar a diferença entre ambos. Os conceitos de ética e moral estão intimamente conectados, a começar pela etimologia. A palavra Ética vem do grego ethos, que significa “caráter”; por sua vez, os romanos traduziram a palavra grega para o latim, tornando-se mos (que significa “costume”) e cujo plural é mores, que originou a palavra “moral”.
Em linhas gerais, a moral corresponde ao conjunto de valores, normas e princípios que norteiam o comportamento de um indivíduo dentro do seu grupo social (empresa, profissão, religião, sociedade, país) uma vez que definem o que é certo ou errado, permitido ou proibido, aceitável ou inaceitável dentro da conjuntura social. Estes valores, por sua vez, se baseiam na cultura e crenças, história e tradições do respectivo grupo.
Já a ética é um campo da Filosofia que se dedica racional e cientificamente aos estudos e críticas da moral, seus princípios, aplicação e influência no comportamento humano. Por esse motivo, também é conhecida como Ciência do Comportamento Moral ou Filosofia Moral.
Principais pensadores
Entendidas sua aplicação e as diferenças em relação à moral, vamos conhecer um pouco do pensamento de alguns dos filósofos que mais se dedicaram a pensar, estudar e formular o conceito de ética.
Aristóteles (384 aC – 322 aC)
Estátua do filósofo grego Aritóteles (imagem: iStock).
- Principais características: teleológica (tem ou busca uma finalidade) e eudaimônica (ou seja, a finalidade é a felicidade).
Para o filósofo grego, os princípios da ética são definidos pelo caráter de uma pessoa, especificamente por suas virtudes e é por isso que a visão aristotélica sobre o assunto é conhecida como teoria das virtudes. No livro “Ética a Nicômaco”, uma de suas obras mais conhecidas e recomendadas para entender o tema pelo viés aristotélico, o pensador descreve o humano como um ser que possui essência, natureza e uma finalidade, sendo esta última o sentido da vida — aqui tido como Eudaimonia, ou em tradução livre do grego, a felicidade.
Então, de acordo com o filósofo, o indivíduo é naturalmente bom e, se agir de acordo com sua natureza, poderá cultivar virtudes. Estas, por sua vez, guiam as ações humanas, que são guiadas pela felicidade ou para atingi-la. Ainda que sejam parte do caráter da pessoa, Aristóteles defendia que as virtudes também poderiam ser incentivadas e desenvolvidas ao longo da vida para adquiri-las por meio do hábito. Resumindo: para Aristóteles, a(s) virtude(s) determinam a ética de uma pessoa.
Nicolau Maquiavel (1469 – 1527)
Exemplar do livro "O Príncipe", do filósofo italiano Nicolau Maquiavel (imagem: iStock).
- Principais características: ética utilitarista, voltada para a política e resultado de um contexto histórico.
De acordo com o pensador italiano, existem duas éticas: a religiosa de viés cristão, voltada para a alma, e a política, que deve ser útil ao Estado. Em suas obras — especialmente nos livros “O Príncipe” e “O Discurso”, Maquiavel fazia uma contraposição entre as duas éticas ao propor que as ações dos governantes não mais fossem subordinadas à Deus (no contexto cristão) com a finalidade de salvar almas.
Em seu lugar, Maquiavel acreditava que os governantes deveriam agir para servir à pátria e ao bem-estar geral da população. Para atingir esses objetivos, essas autoridades devem fazer o que for preciso, não sendo possível avaliar as atitudes tomadas como boas ou más sem considerar o contexto de seu tempo. Ou seja: uma ação realizada em 1922 que, à época, foi considerada boa, pode ser vista como má em 2022.
Essa visão é comumente associada ao pensamento de que “os fins justificam os meios” e até hoje gera debates uma vez que pode ser usada para justificar uma ação violenta por parte do Estado. É também por essa razão que o adjetivo “maquiavélico” ganhou uma conotação negativa que remete a uma pessoa fria, calculista e capaz de qualquer coisa para atingir seus objetivos. No entanto, mesmo os estudiosos definem Maquiavel como um pensador pouco coeso e defendem que, assim como a visão de ética do autor, suas obras devem ser analisadas à luz da Itália renascentista, contexto em que foram elaboradas.
Immanuel Kant (1724 – 1804)
Retrato do filósofo prussiano Immanuel Kant (imagem: Canva).
- Principais características: ética guiada pelo dever (deontológica).
Ao contrário das visões anteriores sobre a ética, cujas ações tinham finalidades sempre exteriores ao indivíduo (felicidade, salvação espiritual, utilidade política etc.), Kant dizia que a razão do próprio sujeito direciona suas ações, o que chamava de autonomia da razão. Para além disso, as ações necessariamente têm como finalidade o dever; ou seja, antes de agir, a pessoa precisa afastar todas as influências externas e, por meio de seu intelecto, questionar se deve ou não agir, tornando a ação um fim em si mesma.
Mas para compreender a ética kantiana e como uma ação pode ser julgada como boa (moral) ou ruim (imoral), é fundamental entender o conceito denominado Imperativo Categórico, também criado por Kant e aprofundado em seu livro “Fundamentação da metafísica dos costumes”:
1) Autonomia da razão: aqui Kant defende que o indivíduo está vinculado a uma lei moral por sua própria vontade, pois essas vontades já estão vinculadas às leis morais. Ou seja, uma lei que respeite a humanidade de tal forma que todos a sigam (“age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza”).
2) Humanidade: aqui ocorre o oposto do que Maquiavel propõe e, em vez de um meio, a humanidade passa a ser um fim (“age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio”).
3) Universalização: uma ação boa (ou moral) é aquela que é fruto da razão e que, por isso, pode ser aplicada a todas as pessoas sem que caia na contradição (“age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais”).
Ética na Ciência
Imagem: iStock.
De acordo com a Enciclopédia Britannica, entende-se por Ciência “qualquer sistema de conhecimento que se preocupa com o mundo físico e seus fenômenos e que envolve observações imparciais e experimentação sistemática. Em geral, uma ciência envolve uma busca de conhecimento abrangendo verdades gerais ou as operações de leis fundamentais”.
Ocorre que na experimentação sistemática — especialmente em áreas como as Ciências Médicas e Biológicas — a coleta de dados que viabiliza a pesquisa implica a coleta, análise e manipulação de espécimes biológicos, inclusive humanos. Pode-se citar como exemplos a análise de seres microscópicos e potencialmente perigosos como vírus e bactérias, a testagem de novos medicamentos em cobaias vivas e, em fases mais avançadas do estudo, testagem em humanos, entre outros procedimentos.
Neste contexto, a ética tem o papel de balizar as ações dos cientistas de modo que os riscos, erros e até mesmo a má-conduta em procedimentos como os citados acima sejam evitados, sempre colocando a obtenção de conhecimentos para a preservação da vida e do bem-estar como finalidade última dos estudos científicos. Desse modo, a ética (ou bioética) exige que valores como a responsabilidade, a transparência, a autonomia, a neutralidade de interesses e o rigor científico sejam praticados durante toda a pesquisa.
Para garantir que essas normas éticas sejam respeitadas, foram criados os conselhos e comitês de ética que regem e fiscalizam as boas-práticas nos procedimentos de suas respectivas áreas e profissões, punindo as más-condutas. No Brasil, a prática ética nos experimentos com seres humanos está prevista na Resolução nº 466/2012, criada pelo Conselho Nacional de Saúde, que estabelece o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) como responsável por analisar e julgar a conduta científica dos autores das pesquisas, monitorar os respectivos riscos, receber e apurar as denúncias de abusos e demais fatos previstos na lei.
As pesquisas científicas internacionais com humanos devem estar subordinadas às diretrizes do Código de Nuremberg — criado em 1947 para julgar os casos de violação à vida humana por meio de experimentos realizados pelos nazistas em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Há, também, a Declaração de Helsinque, redigida pela Associação Médica Mundial e promulgada em 1964 para reforçar o que já foi estabelecido no Código de Nuremberg.
3 journals para se aprofundar no assunto
Confira, a seguir, três sugestões de periódicos para compreender o papel da ética nas pesquisas de diferentes áreas do conhecimento.
Bioethics (Wiley)
Capa do periódico Bioethics, da Wiley (imagem: Wiley).
Bioethics reúne artigos bem argumentados sobre as questões éticas suscitadas por assuntos atuais, como: pesquisa clínica colaborativa internacional nos países em desenvolvimento, transplantes de órgãos e xenotransplantes, envelhecimento e vida humana, AIDS, genética e pesquisa com células-tronco. Essas questões são consideradas em relação a problemas éticos, legais e políticos concretos, ou em termos de conceitos, princípios e teorias fundamentais usados na discussão de tais problemas.
AMA Journal of Ethics
Logo do AMA Journal of Ethics (imagem: AMA).
O AMA Journal of Ethics é um periódico editorialmente independente, mensal e revisado por pares, dedicado a ajudar estudantes e profissionais da Medicina a tomar decisões éticas em seus serviços prestados aos pacientes e às comunidades. A revista oferece casos e comentários de especialistas, discussões sobre política e equidade, perspectivas de contexto social e cultural, materiais de educação continuada baseados em periódicos e multimídia, recursos visuais e muito mais.
Journal of Applied Animal Ethics Research (Brill)
Capa do Journal of Applied Animal Ethics Research (imagem: Brill).
O Journal of Applied Animal Ethics Research é uma publicação científica internacional e interdisciplinar, que contém resultados de pesquisas originais revisadas por pares, estudos técnicos e revisões acerca das questões éticas relacionadas ao bem-estar animal no contexto laboral e científico. Seus conteúdos têm ênfase nas pesquisas que exploram o cuidado e manejo animal na medicina veterinária, nos laboratórios, na conservação ou domesticação, em atividades sociais (como a agricultura e os esportes), e na etologia aplicada. A revista também publica artigos que examinam e discutem quadros éticos, ferramentas e metodologias aplicadas a questões morais na relação entre humanos e animais.
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