Vancomicina: conheça um dos antibióticos mais importantes do mundo
A vancomicina — cujo um dos nomes comerciais é Vancocin — é um antibiótico glicopeptídeo com uma história que remonta à década de 1950, quando foi descoberto em solo produzido pela bactéria Amycolatopsis orientalis, conhecida anteriormente como Streptomyces orientalis. A vancomicina protege o suprimento de nutrientes necessário ao organismo, que cria e dispersa a substância, destruindo muitas das outras espécies de bactérias que podem entrar em seu território.
Depois de descobrirem por meio de testes laboratoriais que a vancomicina tem essa propriedade, os pesquisadores de doenças infecciosas começaram a explorar quais usos a substância poderia ter como medicamento para infecções bacterianas graves em humanos.
Originalmente, era considerado um medicamento de último recurso, pois as penicilinas eram eficazes para a maioria das infecções e o risco de efeitos adversos era maior para a vancomicina do que para outros fármacos antibacterianos. Com o tempo, no entanto, o desenvolvimento da resistência aos medicamentos, a melhoria na purificação e o avanço das técnicas de monitoramento de medicamentos tornaram a vancomicina muito mais comum na prática.
Bacteriologia
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Os antibióticos destroem ou inibem o crescimento de bactérias, interferindo nos processos normais da célula bacteriana. Muitos antibióticos em uso hoje são ativos contra a parede celular de uma bactéria em divisão, uma barreira de proteção que esses organismos usam para se manterem vivos.
Essa parede celular é composta principalmente de peptidoglicano, uma estrutura semelhante a uma malha feita de proteínas (peptídeos) e açúcares (glicano). Para que uma bactéria se replique, ela deve construir uma nova parede celular de peptidoglicano. Essas barreiras são essenciais para a sobrevivência das bactérias e não estão presentes em células humanas ou animais. Ao visar componentes de bactérias que não estão presentes em humanos, os médicos podem erradicar seletivamente infecções bacterianas, evitando danos colaterais significativos ao paciente.
Cada bactéria é única em sua resposta a terapias medicamentosas. A identificação adequada do organismo infectante é de vital importância para garantir que os antibióticos sejam eficazes.
A maioria das bactérias pode ser dividida em dois grupos: gram-positivas e gram-negativas. Essas categorias foram descobertas pelo médico Hans Christian Gram em 1884, quando o pesquisador teve a ideia de aplicar corantes em diferentes bactérias, método que ficou conhecido como “coloração de Gram”.
No seu experimento, foi aplicado um corante roxo, seguido por um agente de ligação e um solvente como etanol ou acetona (para lavar o corante). Gram notou que certas bactérias podem reter o corante roxo, enquanto outras permitem que o corante seja lavado e pareça rosa.
O mecanismo subjacente a essas diferenças reside principalmente nas paredes celulares de ambos os tipos de bactérias. As bactérias com parede celular espessa retêm o corante, parecem roxas e são conhecidas como “gram-positivas”, enquanto as bactérias com uma parede celular fina que eliminam o corante roxo após a lavagem ficam e manchadas de rosa são conhecidas como “gram-negativas”.
Este procedimento ainda é muito utilizado para orientar as terapias antibióticas iniciais em pacientes antes que as bactérias infectantes possam ser identificadas. As gram-positivas também têm outras características definidoras que as separam das bactérias gram-negativas, como a exposição da parede ao ambiente fora da célula. Já as gram-negativas possuem uma parede celular muito mais fina protegida por uma membrana de gorduras e proteínas, ou bicamada lipídica, que permite que ela seja muito mais seletiva em relação ao que pode ou não entrar na célula.
Essas bicamadas ainda devem permitir algum transporte de nutrientes em sua superfície para que as bactérias absorvam o essencial do ambiente que precisam para se replicar e, para isso, os organismos usam pequenos canais conhecidos como porinas. Antibióticos direcionados contra bactérias gram-negativas devem ter um tamanho pequeno o suficiente para serem capazes de atravessar esses canais de porina ou se difundirem passivamente através da bicamada lipídica, que possui componentes polares e não polares, dificultando a difusão passiva de moléculas carregadas.
Mecanismo de ação
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Assim como a penicilina, a vancomicina impede a síntese da parede celular em bactérias suscetíveis. A principal diferença no mecanismo de ação entre os dois antibióticos está no local de ligação de cada um. Os antibióticos beta-lactâmicos, como a penicilina, ligam-se às apropriadamente chamadas “proteínas de ligação à penicilina” para produzir seus efeitos. A vancomicina se liga ao grupo de aminoácidos acil-D-ala-D-ala da parede celular de peptidoglicano (um polímero) em crescimento pelo qual vários mecanismos de ação começam a ocorrer.
Primeiro, a vancomicina usa seu grande tamanho para bloquear a reticulação da parede do peptidoglicano. Essas ligações cruzadas são necessárias para manter a parede celular forte e, sem elas, essa barreira não se desenvolve corretamente. A bactéria detecta que a parede celular não está funcionando normalmente e tenta repará-la produzindo mais blocos de construção desse polímero. Como resultado, a célula produz precursores de peptidoglicano em excesso, que ativam uma alça de retroalimentação na qual as enzimas que degradam o polímero são ativadas.
Essas enzimas também podem contribuir para a destruição da parede celular: ao tentar se dividir, a falta de uma parede celular faz com que a bactéria inunde com fluido de seu ambiente, forçando-a a inchar e eventualmente estourar. Devido a essa atividade, tanto os antibióticos beta lactâmicos, como a penicilina, quanto os antibióticos glicopeptídeos, como a vancomicina, são conhecidos como “bactericidas”.
Vancomicina versus Penicilina
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Alcançar a parede celular exposta em bactérias gram-positivas é fácil tanto para a penicilina quanto para a vancomicina. No entanto, a penicilina e a vancomicina diferem substancialmente em tamanho e carga. Enquanto a penicilina pode atravessar o “escudo” da bicamada lipídica das bactérias gram-negativas, a vancomicina é quase três vezes maior e tem uma carga líquida positiva. Por causa disso, a vancomicina não pode entrar na célula bacteriana gram-negativa e, portanto, o fármaco não tem atividade contra infecções gram-negativas.
Quando administrada por via oral, a vancomicina é usada para infecções por Clostridoides difficile (antes conhecido como Clostridium difficile ou C. difficile). No entanto, o tamanho da substância também limita a eficácia da administração oral para tratar uma infecção sistêmica, pois não consegue passar do trato gastrointestinal para o sangue em quantidades necessárias. Isso também significa que a aplicação oral não causa os mesmos efeitos colaterais, como danos nos rins (nefrotoxicidade) ou perda auditiva (ototoxicidade), que são possíveis na versão intravenosa.
Resistência bacteriana
Ilustração da bactéria Staphylococcus aureus resistente à meticilina (imagem: Canva).
Com o uso de antibióticos vem o desenvolvimento de cepas resistentes. Especificamente, a vancomicina é usada contra bactérias resistentes a outras opções, como beta-lactâmicos. Um exemplo disso é o uso da vancomicina em infecções suspeitas ou conhecidas por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM). Este antibiótico também é ativo contra uma variedade de outras bactérias gram-positivas comuns, como as espécies de estreptococos e enterococos.
O SARM desenvolveu essa resistência ao longo de anos de uso de diferentes penicilinas para tratar e controlar a bactéria. Felizmente, o desenvolvimento de cepas resistentes à vancomicina permanece raro. Um tipo de resistência que os estafilococos podem desenvolver é transferido para o SARM de outro gênero de bactérias, os enterococos resistentes à vancomicina (ou ERV).
Esta forma de enterococos carrega um gene que altera a cadeia de aminoácidos acil-D-ala-D-ala para acil-D-ala-D-lactato. Essa mudança ainda permite a formação da parede do peptidoglicano, mas limita severamente a ligação da vancomicina. Uma estirpe de Staphylococcus aureus que apresenta este perfil de resistência pode ser referida como SARV — ou Staphylococcus aureus resistente à vancomicina — que geralmente ocorre quando há mudança do medicamento para outro agente antibacteriano.
Efeitos adversos
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A terapia com vancomicina intravenosa pode causar nefrotoxicidade (danos nos rins) e ototoxicidade (perda da audição) se não for cuidadosamente monitorada, e os mecanismos de ação desses efeitos colaterais ainda não são bem compreendidos. Há também o risco de Síndrome do “homem vermelho” ou “pessoa vermelha”, que geralmente consiste em surgimento de rubor — daí a “pessoa vermelha” — eritemas e pruridos no rosto e na metade superior do tronco.
Outros efeitos colaterais menos comuns incluem: reações alérgicas (urticária, dificuldade em respirar ou pieira), neutropenia (queda nos glóbulos brancos) ou eosinofilia (contagens altas de eosinófilos), vasculite ou flebite (inflamação dos vasos sanguíneos), dor de estômago, dor muscular, dor abdominal ou dor nas costas. Uma advertência importante na revisão desses efeitos colaterais é que nem todos são reações alérgicas, mas sim uma ocorrência normal em pacientes que recebem muita vancomicina ou uma infusão administrada muito rapidamente.
Imagem: Dot.Lib/DoseMeRx
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