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Por que ouvimos (e gostamos de) música triste?
  • Artigo
  • 01/10/2021
  • DiaMundialDaMúsica, Música, DotLib

Mesmo que a música pop supostamente tenha se tornado mais otimista durante a pandemia, há algo satisfatório em colocar uma música triste na fila e deixar os sentimentos melancólicos tomarem conta de você.

Essa experiência comum na verdade levanta “uma das questões mais intrigantes da história da cultura musical”, de acordo com os psicólogos Jonna Vuoskoski, William Thompson, Doris McIlwain e Tuomas Eerola: por que as pessoas gostam de ouvir música triste?

O paradoxo da “tristeza prazerosa”

Há muito, os estudiosos observam que a música é poderosa para corpo e o cérebro, remontando à Grécia Antiga, época em que a música fazia parte do tratamento de doenças e influenciava o temperamento. Atualmente, a música pode ser usada para fins terapêuticos (musicoterapia) que auxiliam, entre outras coisas, no tratamento de transtornos ou doenças neurológicas.

Em 1958, a médica Agnes Savill advertiu que “a música que produz estados de depressão, perplexidade e até medo pode ser estudada com segurança por músicos e críticos que a abordam do ponto de vista intelectual, mas deve ser evitada por ouvintes tensos e ansiosos”.

Parece intuitivo que música triste faria os ouvintes se sentirem pior — mas muitos não conseguem evitar ouvir esse tipo de som.

“Embora as pessoas geralmente evitem experiências emocionais negativas, muitas vezes elas gostam da tristeza retratada na música e em outras artes”, escreveu Vuoskoski. Este é o paradoxo da “tristeza prazerosa”, que intrigou os estudiosos da música por décadas.

Para investigar o paradoxo da “tristeza prazerosa”, os pesquisadores se guiaram pelas seguintes perguntas: 1) quais tipos de aspectos emocionais subjetivos/experiências que a música triste induz nos ouvintes? 2) a tendência de gostar de música triste está associada a atributos específicos de personalidade?

Método

Em busca das respostas, os cientistas realizaram uma avaliação com 148 estudantes universitários finlandeses, de instituições acadêmicas e com idade média de 18 a 49 anos, sendo que 77,08% da amostra era composta por mulheres.

Vuoskoski e sua equipe pediram aos participantes que ouvissem 16 peças musicais selecionadas pelos pesquisadores e classificassem suas respostas emocionais a elas. Para tanto, os participantes foram divididos em quatro grupos.

O grupo 1 apenas avaliou a intensidade de suas emoções/respostas e o quanto eles gostaram de cada trecho e o grupo 2 forneceu classificações para cinco emoções distintas (tristeza, felicidade, ternura, medo e raiva).

Já o grupo 3 classificou em seis escalas unipolares derivadas do modelo de emoção tridimensional (positivo e negativo, valência ativa, alta e baixa energia e alta e baixa tensão).

O grupo 4 fez suas classificações baseadas nas nove escalas do GEMS-9, específicas da música (que consistem nos seguintes sentimentos: maravilha, transcendência, poder, ternura, nostalgia, paz, ativação alegre, tristeza e tensão).

Resultados

A resposta com emoções não é apenas psicológica: os cientistas também podem medir as reações fisiológicas à música. Em 2015, os psicólogos Patrick N. Juslin, Gonçalo Barradas e Tuomas Eerola mediram os níveis de condutância da pele e expressões faciais enquanto os participantes ouviam uma seleção de músicas.

Como primeiro passo, a equipe propôs uma razão evolutiva por trás da forte reação física à música mais sombria: a expressão emocional semelhante a uma voz da música ativa, uma resposta empática chamada “o mecanismo de contágio”. É por isso que violinos e violoncelos parecem especialmente tristes: eles se parecem com vozes humanas.

Claro, música e emoção são experiências incrivelmente subjetivas cuja exata intensidade é ainda desconhecida. “Esse paradoxo é complexo e parece não ter uma resposta única”, explicam os psicólogos Sandra Garrido e Emery Schubert.

Garrido e Schubert argumentam que o prazer da música triste provavelmente se baseia em diferenças individuais em uma combinação de traços emocionais e evoluídos, como “dissociação, absorção, tendência à fantasia, empatia e ruminação”.

Os resultados revelam a complexidade das respostas emocionais aos sons, mostrando que não são experimentadas apenas como negativas ou desagradáveis, ao contrário da maioria dos eventos tristes da vida real.

Embora a tristeza fosse a emoção em destaque (em resposta a trechos tristes), outras emoções como nostalgia, paz e admiração também eram claramente evidentes.

O prazer pela música triste pode resultar de uma resposta emocional intensa combinada com o apelo estético da música triste. Três descobertas apoiam essa interpretação:

Em primeiro lugar, a música triste evocou, além da tristeza, uma gama de emoções estéticas tonificadas positivamente. Segundo: aqueles que são mais capazes de apreciar experiências estéticas e de beleza — os que se destacam no traço “abertura à experiência” — gostam mais de música triste.

Terceiro: aqueles que experimentaram as emoções mais intensas em resposta à música triste — incluindo participantes com pontuação alta no traço "empatia" — também gostaram mais de música triste.

Embora a música assustadora tenha induzido as respostas emocionais mais intensas nos ouvintes, essas respostas foram classificadas como significativamente desagradáveis. Evidências de estudos anteriores sugerem que a diferença mais óbvia entre música triste e assustadora está relacionada ao seu apelo estético.

Por outro lado, deve-se notar que as respostas estéticas são altamente subjetivas e, portanto, é possível que apenas algumas pessoas achem a música triste bonita ou percebam a música assustadora como feia.

A interpretação dos autores deste estudo é consistente com os achados — embora não com as conclusões — de Garrido e Schubert (2011), que descobriram que a “absorção” (mas não a dissociação clínica) e a “empatia” causadas pela música foram preditoras confiáveis do prazer provocado pela música triste.

Os resultados sugerem que — como no caso de filmes trágicos — a música triste pode induzir respostas emocionais mais fortes em ouvintes empáticos, o que por sua vez leva a um maior prazer.

Este também pode ser o caso para ouvintes com pontuação alta em “absorção”, já que essa característica foi anteriormente associada a emoções fortes sentidas (e à tristeza, em particular) em resposta à música e está relacionada a uma tendência de poder sentir empatia com objetos de atenção.

Outros estudos também descobriram que a “absorção” e “abertura à experiência” são traços altamente correlacionados, que refletem uma tendência semelhante de apreciar experiências estéticas e fantasiar.

No entanto, um estudo recente sugere que a música triste pode induzir mudanças de comportamento semelhantes na memória e no julgamento, como a lembrança de um evento autobiográfico triste — especialmente em ouvintes empáticos.

Além disso, uma série de estudos usando música como um método de manipulação de humor sugere que estados afetivos musicalmente induzidos estão ligados a mudanças comportamentais e cognitivas semelhantes às produzidas por estados afetivos vivenciados na vida cotidiana.

A emoção dominante evocada pela música triste parece ser interpretada como tristeza pelos ouvintes, mas essa música também evoca uma gama de emoções estéticas mais positivas.

A música triste atraiu mais aqueles que têm uma capacidade de resposta elevada às experiências dos outros, que experimentam emoções intensas em resposta à música triste e que mostram maior sensibilidade à arte e à beleza.

*Conteúdo parcialmente traduzido do artigo “Who Enjoys Listening to Sad Music and Why?”, publicado no JSTOR.

Dia Mundial da Música + playlist

Em homenagem ao Dia Mundial da Música, comemorado no 1º dia de outubro — e aproveitando o tema do artigo — a equipe DotLib preparou uma playlist para você ouvir enquanto lê ou mesmo para apreciar a beleza que há na tristeza e poesia das músicas.

1) “The Scientist” – Coldplay

Uma das mais famosas músicas da banda britânica Coldplay, “The Scientist” é presença marcada nas trilhas sonoras de séries e filmes dramáticos e playlists tristonhas.

2) “Me deixe em paz” - Alaíde Costa e Milton Nascimento

“Me deixe em paz”, composta por Monsueto Menezes e Airton Amorim em 1972, ganhou vida na voz de dois expoentes da Música Popular Brasileira, os cariocas Alaíde Costa e Milton Nascimento.

3) “Hurt” - Johnny Cash

Originalmente da banda Nine Inch Nails, a canção “Hurt” ganhou uma versão ainda mais emocionante na voz da lenda do country americano, Johnny Cash, considerado um dos músicos mais influentes do século XX.

4) “O Mundo É Um Moinho” – Cartola

Ouça-me bem, amor. Preste atenção, o mundo é um moinho. Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho. Vai reduzir as ilusões a pó”. O saudoso cantor, compositor e poeta brasileiro Cartola compôs a canção em 1976, inspirado pelas preocupações com o futuro de sua então pequena filha adotiva, Creuza. A letra descreve, de forma poética, como o mundo pode ser um lugar hostil.

5) “Asleep” - The Smiths

Em apenas cinco anos de duração, a banda de rock alternativo britânica The Smiths deixou uma discografia com letras que ilustram bem como beleza e tristeza podem conviver muito bem (além da rima).

6) “Sonata ao luar” – Beethoven

Considerado por diversos críticos musicais como um dos pilares da música ocidental, o compositor clássico Ludwig van Beethoven não poderia ficar de fora da lista. “Sonata ao Luar” (de 1801), uma de suas peças mais famosas, é a representação do estudo acima exposto: em sua totalidade, pode ser considerada uma melodia triste; mas quem a ouve por completo, perceberá que a peça clássica pode despertar diversos sentimentos como calma, paz, estranhamento e até êxtase. 

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