Jennifer Doudna: conheça a criadora do “editor de DNA”
O campo da Genética é, sem dúvidas, um dos mais fascinantes da ciência e os estudos acerca do tema têm se desenvolvido rapidamente nas últimas décadas. Ao compreender os mecanismos e leis da hereditariedade e da função dos genes, a humanidade passou a entender mais sobre sua formação e evolução ao ponto de criar tratamentos eficazes para doenças, até então, incuráveis e raras. Mas a caminhada foi longa.
Tudo começou em 1860, com o biólogo, botânico, meteorologista e frade da Igreja Católica, o austríaco Gregor Johann Mendel. Considerado o “pai da genética”, Mendel dedicou-se a estudar o cruzamento de diversas espécies de plantas e insetos, observando as variações de seus aspectos, conforme relato no artigo “Experiments with Plant Hybrids” (“Experimentos com Plantas Híbridas”) publicado na Editora Britannica.
Essas ideias ganharam força com o tempo e passaram pelas mãos e mentes brilhantes de homens como Alfred Russel Wallace, Charles Darwin, Cyril Darlington, entre outros. Mas, em 2020, uma mulher revolucionou os estudos acerca da Genética, ganhou o Prêmio Nobel de Química de 2020 por suas descobertas e ficou conhecida como a “mãe da edição genética”: Jennifer Doudna.
Infância e vida
Jennifer Anne Doudna Cate nasceu em Washington, capital dos Estados Unidos, em 19 de fevereiro de 1964. Ainda na infância, mudou-se com sua família para Hilo, no Havaí, onde cresceu rodeada por vulcões, florestas tropicais exuberantes e praias remotas, o que despertou seu interesse pela natureza.
Embora não houvesse cientistas entre seus parentes mais próximos, Doudna passou a se interessar por essa área ainda no colégio ao frequentar as aulas teóricas e, especialmente, as práticas de química. Seus pais, acadêmicos da área de Humanas e com ávido interesse em Astronomia, Geologia e Evolucionismo, encorajaram Doudna em seus interesses.
Dedicar-se à leitura de muitos livros de ciências, visitar bibliotecas e museus, além de passar meses estudando minhocas e cogumelos no laboratório de um professor amigo da família foram atividades recorrentes na sua infância e adolescência.
Com o tempo, Doudna passou a participar de diversos seminários e a mostrar seus talentos, tanto para aprender quanto para ensinar, em Química dos sistemas biológicos.
Mas a jovem cientista só se deu conta de que gostaria de passar a vida desbravando os mistérios das Ciências Biológicas quando terminou de ler “The Double Helix” (“A Dupla Hélice”), o relato de James Watson sobre sua descoberta de Francis Crick da estrutura do DNA. Foi também nesta fase da vida que passou a se interessar especificamente no campo da Biologia Molecular, em especial, nas interações genéticas.
Trajetória acadêmica
Em 1985, Jennifer terminou o bacharelado em Química na Universidade de Pomona, que possuía um programa de Bioquímica nacionalmente reconhecido. Durante sua graduação, impressionou diversos professores de Química, em especial Sharon Panasenko, que a orientou em seu primeiro experimento científico e viu em Doudna uma jovem mulher pronta para brilhar em um meio majoritariamente masculino.
Quatro anos depois, Doudna finalizou seu doutorado na Universidade de Harvard, sob supervisão de Jack Szostak, um geneticista que, em 2009, viria a ganhar um Prêmio Nobel por suas contribuições na determinação das ações dos telômeros e na proteção aos cromossomos.
Em sua tese, a cientista focava no estudo das ribozimas — um tipo de RNA que catalisa as reações químicas nas proteínas — e ficou intrigada com a ideia de que a molécula pudesse dar algumas pistas sobre a origem da vida.
Após o término do doutorado, Jennifer continuou a trabalhar com Szostak e deixou seu laboratório para ingressar em uma pós-graduação, na qual colaborou com outro Prêmio Nobel, Thomas Cech, estudioso das propriedades catalíticas do RNA.
A cientista passou muitos de seus primeiros dias no laboratório adquirindo habilidades enquanto realizava procedimentos de cristalização de moléculas de RNA na preparação para a geração de imagens.
Em 1994, Doudna tornou-se professora assistente na Universidade de Yale e, seis anos depois, foi promovida ao cargo de professora titular de Biofísica Molecular e Bioquímica na Universidade de Berkeley, na Califórnia.
Esse trabalho proporcionou à pesquisadora a oportunidade de frequentar o Lawrence Berkeley National Laboratory, onde se encontrava o síncroton — uma grande máquina que fornece feixes de raio-x de alta intensidade, conferindo imagens tridimensionais de proteínas e outras moléculas e permitindo o aprofundamento em sua complexa estrutura.
Grande descoberta
Anos depois, em um salto para 2011, Jennifer Doudna compareceu a uma conferência da Sociedade Americana de Microbiologia, em Porto Rico, onde conheceu a microbiologista e geneticista francesa Emmanuelle Charpentier, então professora na Universidade Umea, Suécia.
Na época, Charpentier estudava a bactéria Streptococcus pyogenes, causadora de doenças como a escarlatina e a faringite, e compartilhou com Doudna a sua descoberta: a misteriosa enzima Cas9 que, associada ao CRISPR, ajudava o sistema imune da bactéria a afastar vírus invasores.
Animada, Jennifer Doudna — que já era considerada especialista em RNA — aceitou ser parceira de Charpentier nas pesquisas. Depois de meses, a equipe descobriu que o mecanismo de defesa CRISPR consistia em duas moléculas de RNA separadas (CRISPR RNA e tracRNA) que ajudaram a guiar a Cas9 no corte de um pedaço de DNA viral, em um ponto preciso do genoma, sempre que ele invadisse uma célula.
Foi então que ocorreu a Doudna e seu aluno e assistente, Martin Jinek, que o mesmo processo era possível de ser reprojetado em laboratório. E assim, ao simplificar os componentes moleculares, facilitando a manipulação e reprogramando-os para que continuasse com a função de corte em qualquer molécula de DNA e em local previamente definido, nasceu o chamado “editor de DNA”: o CRISPR/Cas9.
Prêmio Nobel
Tal descoberta fez com que a dupla de cientistas ganhasse o Prêmio Nobel de Química, integrando o pequeno grupo de apenas sete mulheres que já receberam a honraria. A técnica Crispr/Cas9 também abriu um leque de possibilidades no meio científico.
"Acho que uma das primeiras aplicações que serão benéficas do ponto de vista terapêutico será, por exemplo, para curar pacientes diagnosticados com anemia falciforme, doença do sangue resultante de uma única mutação no DNA", como afirmou Doudna em entrevista para a Revista Galileu.
Atualmente, a técnica de edição é usada no tratamento e cura diversas doenças, como a Amiloidose por Transtirretina (ATTR). Rara e de origem hereditária, a ATTR provoca o acúmulo de uma versão tóxica da proteína transtirretina (TTR) no coração e em vários outros órgãos, resultado de uma mutação.
Os resultados, mais bem detalhados em estudo publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM), foram surpreendentes: a produção dessa toxina foi reduzida em até 96%.
Outras condecorações
Além do Prêmio Nobel, por sua brilhante carreira e diversas contribuições no campo da genética, Jennifer Doudna recebeu as seguintes condecorações:
- 1999: William O. Baker Award for Initiatives in Research da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos;
- 2000: Prêmio Alan T. Waterman;
- 2001: Prêmio Eli Lilly de Química Biológica;
- 2002: Membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos;
- 2003: Membro da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos;
- 2014: Prêmio Dr. Paul Janssen de Pesquisa Biomédica (com Emmanuelle Charpentier);
- 2014: Prêmio Gabbay (com Feng Zhang e Emmanuelle Charpentier);
- 2015: Breakthrough Prize in Life Sciences;
- 2016: Prêmio de Bioquímica e Biofísica A.H. Heineken,
- 2020: Prêmio Wolf de Medicina (com Emmanuelle Charpentier).
“Decodificadora”
Em março de 2021, Walter Isaacson, biógrafo de grandes gênios como Albert Einstein e Leonardo Da Vinci, lançou o livro “A Decodificadora: Jennifer Doudna, edição de genes e o futuro da espécie humana”, no qual conta detalhadamente a saga de Doudna até a descoberta e o prêmio Nobel.
Na obra, algumas questões éticas acerca das descobertas da cientista também são propostas: “Devemos usar esses novos poderes para hackear a evolução e nos tornarmos menos suscetíveis a infecções virais?”
No rastro do COVID-19
Uma equipe de cientistas, com a colaboração de Jennifer Doudna, tem desenvolvido um teste que detecta o vírus SARS-CoV-2 em até cinco minutos e com a identificação da carga viral do paciente mais precisa que a de outros testes. Como o novo teste — que será disponibilizado em larga escala — não modifica a carga viral, os médicos podem prescrever tratamentos mais adequados às necessidades de cada paciente.
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